SÓ 10% É MENTIRA - MANOEL DE BARROS - O FAZEDOR DO AMANHECER

Manoel Wenceslau Leite de Barros nasceu em Cuiabá (MT)  beira do Rio Cuiabá, em 19 de dezembro de 1916, filho de João Venceslau Barros, fazendeiro da região. Mudou-se para Corumbá e Campo Grande (MS), onde se fixou. Morreu em 13 de novembro de 2014, de falência de múltiplos órgãos. Formou-se advogado(profissão que jamais exerceu), fazendeiro(herdou propriedade do pai) e poeta("Sou um Vagabundo Profissional").



foto: Stefan Hess



O livro sobre nada

É mais fácil fazer da tolice um regalo do que da sensatez.
Tudo que não invento é falso.
Há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira.
Tem mais presença em mim o que me falta.
Melhor jeito que achei pra me conhecer foi fazendo o contrário.
Sou muito preparado de conflitos.
Não pode haver ausência de boca nas palavras: nenhuma fique desamparada do ser que a revelou.
O meu amanhecer vai ser de noite.
Melhor que nomear é aludir. Verso não precisa dar noção.
O que sustenta a encantação de um verso (além do ritmo) é o ilogismo.
Meu avesso é mais visível do que um poste.
Sábio é o que adivinha.
Para ter mais certezas tenho que me saber de imperfeições.
A inércia é meu ato principal.
Não saio de dentro de mim nem pra pescar.
Sabedoria pode ser que seja estar uma árvore.
Estilo é um modelo anormal de expressão: é estigma.
Peixe não tem honras nem horizontes.
Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada; mas quando não desejo contar nada, faço poesia.
Eu queria ser lido pelas pedras.
As palavras me escondem sem cuidado.
Aonde eu não estou as palavras me acham.
Há histórias tão verdadeiras que às vezes parece que são inventadas.
Uma palavra abriu o roupão pra mim. Ela deseja que eu a seja.
A terapia literária consiste em desarrumar a linguagem a ponto que ela expresse nossos mais fundos desejos.
Quero a palavra que sirva na boca dos passarinhos.
Esta tarefa de cessar é que puxa minhas frases para antes de mim.
Ateu é uma pessoa capaz de provar cientificamente que não é nada. Só se compara aos santos. Os santos querem ser os vermes de Deus.
Melhor para chegar a nada é descobrir a verdade.
O artista é erro da natureza. Beethoven foi um erro perfeito.
Por pudor sou impuro.
O branco me corrompe.
Não gosto de palavra acostumada.
A minha diferença é sempre menos.
Palavra poética tem que chegar ao grau de brinquedo para ser séria.
Não preciso do fim para chegar.
Do lugar onde estou já fui embora.

Sua obra recebeu influências de Rimbaud, Guimarães Rosa, Fellini, Chaplin, Machado de Assis, Picasso, Chagall, Miró, Bunuel e Van Gogh.

Morou no Rio de Janeiro, na Bolívia, no Peru, em Nova Yorque(onde estudou cinema) e radicou-se no Mato Grosso do Sul. Casou-se com a mineira Stella, a "dona Pássara", com quem teve 3 filhos, Pedro, João(ambos falecidos) e Marta e sete netos.

Decepcionou-se com a política, após a adesão de Luís Carlos Prestes, liderança que até então admirava e seguia, ao governo Getulio Vargas, que havia deportado a esposa de Prestes, Olga Benário, à Alemanha Nazista de Adolf Hitler.

Escreveu seu primeiro poema aos 13 anos, quando ainda estudava no Colégio São José dos Irmãos Maristas, no Rio de Janeiro, em que se formou também em Direito, em 1949.

Foi revelado na década de 80, em plena maturidade, por intermédio de intelectuais como Millor Fernandes e Antônio Houaiss.




Retrato do artista quando coisa

A maior riqueza
do homem
é sua incompletude.
Nesse ponto
sou abastado.
Palavras que me aceitam
como sou
— eu não aceito.
Não aguento ser apenas
um sujeito que abre
portas, que puxa
válvulas, que olha o
relógio, que compra pão
às 6 da tarde, que vai
lá fora, que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.
Perdoai. Mas eu
preciso ser Outros.
Eu penso
renovar o homem
usando borboletas.


Numa entrevista concedida a José Castello, do jornal "O Estado de São Paulo", em agosto de 1996, comentou um pouco sobre sua rotina:

"Exploro os mistérios irracionais dentro de uma toca que chamo 'lugar de ser inútil'. Exploro há 60 anos esses mistérios. Descubro memórias fósseis. Osso de urubu, etc. Faço escavações. Entro às 7 horas, saio ao meio-dia. Anoto coisas em pequenos cadernos de rascunho. Arrumo versos, frases, desenho bonecos. Leio a Bíblia, dicionários, às vezes percorro séculos para descobrir o primeiro esgar de uma palavra. E gosto de ouvir e ler "Vozes da Origem". Gosto de coisas que começam assim: "Antigamente, o tatu era gente e namorou a mulher de outro homem". Está no livro "Vozes da Origem", da antropóloga Betty Mindlin. Essas leituras me ajudam a explorar os mistérios irracionais. Não uso computador para escrever. Sou metido. Sempre acho que na ponta de meu lápis tem um nascimento."
Disse que o anonimato foi "por minha culpa mesmo. Sou muito orgulhoso, nunca procurei ninguém, nem freqüentei rodas, nem mandei um bilhete. Uma vez pedi emprego a Carlos Drummond de Andrade no Ministério da Educação e ele anotou o meu nome. Estou esperando até hoje", conta. 



Tratado geral das grandezas do ínfimo

A poesia está guardada nas palavras — é tudo que eu sei.
Meu fado é o de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado.
Sou fraco para elogios.


O diretor Pedro Cezar filmou "Só dez por cento é mentira", um documentário sobre a vida do poeta,lançado em 2008. O título do filme refere-se a uma frase de Manoel de Barros: "Noventa por cento do que escrevo é invenção. Só dez por cento é mentira".







Obras publicadas no Brasil:
1937 — Poemas concebidos sem pecado

1942 — Face imóvel

1956 — Poesias
1960 — Compêndio para uso dos pássaros

1966 — Gramática expositiva do chão

1974 — Matéria de poesia

1982 — Arranjos para assobio

1985 — Livro de pré-coisas (Ilustração da capa: Martha Barros)

1989 — O guardador  das águas

1990 — Poesia quase toda

1991 — Concerto a céu aberto para solos de aves

1993 — O livro das ignorãças

1996 — Livro sobre nada (Ilustrações de Wega Nery)

1998 — Retrato do artista quando coisa (Ilustrações de Millôr Fernandes)

1999 — Exercícios de ser criança

2000 — Ensaios fotográficos

2001 — O fazedor de amanhecer (infantil)

2001 — Poeminhas pescados numa fala de João

2001 — Tratado geral das grandezas do ínfimo (Ilustrações de Martha Barros)

2003 — Memórias inventadas  (A infância) (Ilustrações de Martha Barros)

2003 — Cantigas para um passarinho à toa

2004 — Poemas rupestres (Ilustrações de Martha Barros)

2005 — Memórias inventadas II (A segunda infância) (Ilustrações de Martha Barros)

2007 — Memórias inventadas III (A terceira infância) (Ilustrações de Martha Barros)

2007 - Poeminha em Lingua de Brincar

2010 - Menino do Mato



Prêmios recebidos:

1960 — Prêmio Orlando Dantas - Diário de Notícias, com o livro "Compêndio para uso dos pássaros"
1966 — Prêmio Nacional de poesias, com o livro "Gramática expositiva do chão"
1969 - Prêmio da Fundação Cultural do Distrito Federal, com o livro "Gramática expositiva do chão"
1989 — Prêmio Jabuti de Literatura, na categoria Poesia, como o livro "O guardador de águas"
1990 — Prêmio Jacaré de Prata da Secretaria de Cultura de Mato Grosso do Sul como melhor escritor do ano
1996 — Prêmio Alfonso Guimarães da Biblioteca Nacional, com o livro "Livro das ignorãças"
1997 — Prêmio Nestlé de Poesia, com o livro "Livro sobre nada"
1998 — Prêmio Nacional de Literatura do Ministério da Cultura, pelo conjunto da obra
2000 — Prêmio Odilo Costa Filho - Fundação do Livro Infanto Juvenil, com o livro "Exercício de ser criança"
2000 — Prêmio Academia Brasileira de Letras, com o livro "Exercício de ser criança"
2002 — Prêmio Jabuti de Literatura, na categoria livro de ficção, com "O fazedor de amanhecer"
2005 — Prêmio APCA 2004 de melhor poesia, com o livro "Poemas rupestres"
2006 — Prêmio Nestlé de Literatura Brasileira, com o livro "Poemas rupestres"