Em 1925, casou-se com Dolores Dutra de Morais, com quem teve dois filhos, Carlos Flávio(morto 30 minutos após nascer) e Maria Julieta Drummond de Andrade.Publica o poema famoso "No Meio do Caminho" na Revista de Antropofagia, em 1928, um grande escândalo literário à época.Drummond sempre apontou Manuel Bandeira como referência para seu trabalho.
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No Meio do Caminho
“No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
Tinha uma pedra
No meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
Na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
Tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra.”
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Trabalha como funcionário público, como chefe do gabinete do presidente das Minas Gerais Gustavo Capanema em 1933 e como chefe de gabinete do mesmo Gustavo Capanema já alçado a condição de Ministro da Educação e de Saúde Pública entre 1934 e 1945.
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Publica "Brejo das Almas" em 1934. O editor José Olympio é o primeiro a se interessar pelo Obra de Drummond e publica "Poesias" em 1942.
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Publica em 1945 "A Rosa do Povo" carregada de conteúdo político e crítico do período de guerras e desprezo pela vida.
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Em 1945 ao pedir demissão da chefia de gabinete do Ministério da Educação e De Saúde Pública, passa a colaborar como editor do Diário Comunista Informe Popular convidado por Luís Carlos Prestes do qual se desliga a seguir por divergências políticas e editoriais.
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Passa a trabalhar no Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional(DPHAN).Publica, em 1948, Poesia até Agora.Em 1949, sua filha amada, Maria Julieta casa-se com o advogado e escritor Manuel Grana Etcheverry com quem tem dois filhos, Carlos Manuel, Luís Maurício e Pedro Augusto e passa morar em Buenos Aires.
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Em 1951, Drummond publica "Claro Enigma". Em 1954, publica Fazendeiro do Ar.Em 1962, publica Lições de Coisas, Antologia Poética, A Bolsa e a Vida. Aposenta-se do serviço público, como chefe de seção do DPHAN, após 35 anos de dedicação como funcionário público.Em 1969, deixa de escrever para o jornal Correio da Manhã e passa a colaborar com o Jornal do Brasil.Em 1974, recebe o Prêmio de Literatura da Associação Paulista dos Críticos de Arte(APCA).
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Em 1975, recusa por oposição à ditadura militar, o Prêmio Brasília de Literatura.Em 1979, publica Poesia e Prosa pela editora Nova Aguilar.Em 1982, data do aniversário de 80 anos do escritor Carlos Drummond de Andrade, é agraciado com o título Honoris causa pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e publica "A Lição do Amigo - Cartas de Mário de Andrade a
Carlos Drummond de Andrade"
Sua vasta obra que reúne contos, crônicas, prosa, poesia, livros infantis explora as temáticas cotidinas, usa os recursos modernistas do verso livre, a liberdade linguística, o metro livre mas vai além, ao transcender, como Fernando Pessoa, Jorge de Lima, Herberto Helder e Murilo Mendes referências óbvias, ideologias e atingir um humanismo universal carregado de solidão e vulnerabilidade.Durante toda sua produção, foi assombrado pela infância em Itabira, pelo amor às mulheres e à filha e confidente Maria Julieta, pela crítica ao progresso devastador do Meio Ambiente, pelo horror à guerra e às Ditaduras(apesar de ter participado da Ditadura do Estado Novo), pela espiritudalide e pela crença em Deus.Em 1983, declina do Troféu Juca Pato.Publica Nova Reunião, último livro sob a José Olympio.Em 1984, passa a ter como editora a Record e desliga-se do Jornal do Brasil, encerrando sua carreira em jornais.
Já pela Record, em 1984 ainda, publica "Boca de Luar" e "Corpo".
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Em 1985, publica "Amar se aprende Amando", as memórias "O Observador no Escritório", o infantil "História de Dois Amores" e "Amor Sinal Estranho"Em 1986, publica Tempo, Vida , Poesia".Em janeiro de 1987, publica seu último poema "Elegia a um Tucano Morto" que passa a integrar Farewell, seu último livro, publicado após sua morte.Em fevereiro de 1987, é homenageado pela escola de samba, Estação Primeira de Mangueira, com o enredo No Reino das Palavras, que ganha o Carnaval do Rio de Janeiro daquele ano.Em agosto de 1987, falece, após 2 meses de internação hospitalar, vítima de Câncer, a filha Maria Julieta Drummond de Andrade.
12 dias depois da morte de sua filha, o poeta e escritor Carlos Drummond Andrade sofre um infarto agudo do miocárdio e falece aos 84 anos e é enterrado ao lado de Maria Julieta, no cemitério São João Batista, na cidade do Rio de Janeiro.
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Em 1988, é publicado pela Editora Record, Poesia Errante.
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Em 1989, a Casa da Moeda, homenageia o Escritor com sua esfinge na nota de 50 cruzados novos, com seu retrato, versos e autocaricatura.
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Em 1990, o Centro Cultural Banco do Brasil organiza exposiçao comemorativa dos 60 anos de seu primeiro poema "Alguma Poesia".
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Em 1992, edição de "Amor Natural" de poesia erótica, que ganha o Prêmio Jabuti de 1993.Em 1994, falece Dolores Morais Drummond de Andrade, aos 94 anos.Em 1995, é lançado um selo comemorativo em homenagem ao poeta e Drummond passa a ser fonte na internet.
Em 1996, é lançado o livro Farewell no Centro Cultural Banco do Brasil,que ganha o Prêmio Jabuti.Em 1998, são inaugurados o Museu Territórios Drummondianos e o Memorial Carlos Drummond de Andrade(com projeto arquitetônico de Oscar Niemayer).Em 1999, é realizado o Fórum Itabira Século 21-Centenário Drummond".Em 2000, é inaugurada a biblioteca Carlos Drummond de Andrade no Colégio Arnaldo em Belo Horizonte,Minas Gerais.
QUADRILHA
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.
POEMA DE SETE FACES
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
O homem atrás do bigode
é serio, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.
é serio, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
TAMBÉM JÁ FUI BRASILEIRO
Eu também já fui brasileiro
moreno como vocês.
Ponteei viola, guiei forde
e aprendi na mesa dos bares
que o nacionalismo é uma virtude.
Mas há uma hora em que os bares se fecham
e todas as virtudes se negam.
moreno como vocês.
Ponteei viola, guiei forde
e aprendi na mesa dos bares
que o nacionalismo é uma virtude.
Mas há uma hora em que os bares se fecham
e todas as virtudes se negam.
Eu também já fui poeta.
Bastava olhar para mulher,
pensava logo nas estrelas
e outros substantivos celestes.
Mas eram tantas, o céu tamanho,
minha poesia perturbou-se.
Bastava olhar para mulher,
pensava logo nas estrelas
e outros substantivos celestes.
Mas eram tantas, o céu tamanho,
minha poesia perturbou-se.
Eu também já tive meu ritmo.
Fazia isso, dizia aquilo.
E meus amigos me queriam,
meus inimigos me odiavam.
Eu irônico deslizava
satisfeito de ter meu ritmo.
Mas acabei confundindo tudo.
Hoje não deslizo mais não,
não sou irônico mais não,
não tenho ritmo mais não.
Fazia isso, dizia aquilo.
E meus amigos me queriam,
meus inimigos me odiavam.
Eu irônico deslizava
satisfeito de ter meu ritmo.
Mas acabei confundindo tudo.
Hoje não deslizo mais não,
não sou irônico mais não,
não tenho ritmo mais não.
José
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio — e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?
Amar
Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer, amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal,
senão rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o cru,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e
uma ave de rapina.Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.Amar a nossa falta mesma de amor,
e na secura nossa amar a água implícita,
e o beijo tácito, e a sede infinita.
Os Ombros Suportam o Mundo
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
Destruição
Os amantes se amam cruelmente
e com se amarem tanto não se veem.
Um se beija no outro, refletido.
Dois amantes que são? Dois inimigos.Amantes são meninos estragados
pelo mimo de amar: e não percebem
quanto se pulverizam no enlaçar-se,
e como o que era mundo volve a nada.Nada, ninguém. Amor, puro fantasma
que os passeia de leve, assim a cobra
se imprime na lembrança de seu trilho.E eles quedam mordidos para sempre.
Deixaram de existir, mas o existido
continua a doer eternamente.
Congresso Internacional do Medo
Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio, porque este não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte.
Depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.
Receita de Ano Novo
Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)
Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.
Sentimento do mundo
Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo,
mas estou cheio de escravos,
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige
na confluência do amor.
Quando me levantar, o céu
estará morto e saqueado,
eu mesmo estarei morto,
morto meu desejo, morto
o pântano sem acordes.
Os camaradas não disseram
que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso,
anterior a fronteiras,
humildemente vos peço
que me perdoeis.
Quando os corpos passarem,
eu ficarei sozinho
desfiando a recordação
do sineiro, da viúva e do microscopista
que habitavam a barraca
e não foram encontrados
ao amanhecer
esse amanhecer
mais noite que a noite.
As Sem-Razões do Amor
Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.
Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.
Eu te amo porque não amo
bastante ou de mais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.
Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.
Para Sempre
Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
— mistério profundo —
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.
O Amor Bate na Porta
Cantiga do amor sem eira
nem beira,
vira o mundo de cabeça
para baixo,
suspende a saia das mulheres,
tira os óculos dos homens,
o amor, seja como for,
é o amor.
Meu bem, não chores,
hoje tem filme de Carlito!
O amor bate na porta
o amor bate na aorta,
fui abrir e me constipei.
Cardíaco e melancólico,
o amor ronca na horta
entre pés de laranjeira
entre uvas meio verdes
e desejos já maduros.
Entre uvas meio verdes,
meu amor, não te atormentes.
Certos ácidos adoçam
a boca murcha dos velhos
e quando os dentes não mordem
e quando os braços não prendem
o amor faz uma cócega
o amor desenha uma curva
propõe uma geometria.
Amor é bicho instruído.
Olha: o amor pulou o muro
o amor subiu na árvore
em tempo de se estrepar.
Pronto, o amor se estrepou.
Daqui estou vendo o sangue
que escorre do corpo andrógino.
Essa ferida, meu bem,
às vezes não sara nunca
às vezes sara amanhã.
Daqui estou vendo o amor
irritado, desapontado,
mas também vejo outras coisas:
vejo corpos, vejo almas
vejo beijos que se beijam
ouço mãos que se conversam
e que viajam sem mapa.
Vejo muitas outras coisas
que não ouso compreender...
Mãos Dadas
Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.
Balada do Amor através das Idades
Eu te gosto, você me gosta
desde tempos imemoriais.
Eu era grego, você troiana,
troiana mas não Helena.
Saí do cavalo de pau
para matar seu irmão.
Matei, brigámos, morremos.
Virei soldado romano,
perseguidor de cristãos.
Na porta da catacumba
encontrei-te novamente.
Mas quando vi você nua
caída na areia do circo
e o leão que vinha vindo,
dei um pulo desesperado
e o leão comeu nós dois.
Depois fui pirata mouro,
flagelo da Tripolitânia.
Toquei fogo na fragata
onde você se escondia
da fúria de meu bergantim.
Mas quando ia te pegar
e te fazer minha escrava,
você fez o sinal-da-cruz
e rasgou o peito a punhal...
Me suicidei também.
Depois (tempos mais amenos)
fui cortesão de Versailles,
espirituoso e devasso.
Você cismou de ser freira...
Pulei muro de convento
mas complicações políticas
nos levaram à guilhotina.
Hoje sou moço moderno,
remo, pulo, danço, boxo,
tenho dinheiro no banco.
Você é uma loura notável,
boxa, dança, pula, rema.
Seu pai é que não faz gosto.
Mas depois de mil peripécias,
eu, herói da Paramount,
te abraço, beijo e casamos.
Ausência
Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.
Poema da necessidade
É preciso casar João,
é preciso suportar Antônio,
é preciso odiar Melquíades
é preciso substituir nós todos.É preciso salvar o país,
é preciso crer em Deus,
é preciso pagar as dívidas,
é preciso comprar um rádio,
é preciso esquecer fulana.É preciso estudar volapuque,
é preciso estar sempre bêbado,
é preciso ler Baudelaire,
é preciso colher as flores
de que rezam velhos autores.É preciso viver com os homens
é preciso não assassiná-los,
é preciso ter mãos pálidas
e anunciar O FIM DO MUNDO.
A Máquina do Mundo
E como eu palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino roucose misturasse ao som de meus sapatos
que era pausado e seco; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretaslentamente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.Abriu-se majestosa e circunspecta,
sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerávelpelas pupilas gastas na inspeção
contínua e dolorosa do deserto,
e pela mente exausta de mentartoda uma realidade que transcende
a própria imagem sua debuxada
no rosto do mistério, nos abismos.Abriu-se em calma pura, e convidando
quantos sentidos e intuições restavam
a quem de os ter usado os já perderae nem desejaria recobrá-los,
se em vão e para sempre repetimos
os mesmos sem roteiro tristes périplos,convidando-os a todos, em coorte,
a se aplicarem sobre o pasto inédito
da natureza mítica das coisas,assim me disse, embora voz alguma
ou sopro ou eco o simples percussão
atestasse que alguém, sobre a montanha,a outro alguém, noturno e miserável,
em colóquio se estava dirigindo:
“O que procuraste em ti ou fora deteu ser restrito e nunca se mostrou,
mesmo afetando dar-se ou se rendendo,
e a cada instante mais se retraindo,olha, repara, ausculta: essa riqueza
sobrante a toda pérola, essa ciência
sublime e formidável, mas hermética,essa total explicação da vida,
esse nexo primeiro e singular,
que nem concebes mais, pois tão esquivose revelou ante a pesquisa ardente
em que te consumiste… vê, contempla,
abre teu peito para agasalhá-lo.”As mais soberbas pontes e edifícios,
o que nas oficinas se elabora,
o que pensado foi e logo atingedistância superior ao pensamento,
os recursos da terra dominados,
e as paixões e os impulsos e os tormentose tudo que define o ser terrestre
ou se prolonga até nos animais
e chega às plantas para se embeberno sono rancoroso dos minérios,
dá volta ao mundo e torna a se engolfar
na estranha ordem geométrica de tudo,e o absurdo original e seus enigmas,
suas verdades altas mais que tantos
monumentos erguidos à verdade;e a memória dos deuses, e o solene
sentimento de morte, que floresce
no caule da existência mais gloriosa,tudo se apresentou nesse relance
e me chamou para seu reino augusto,
afinal submetido à vista humana.Mas, como eu relutasse em responder
a tal apelo assim maravilhoso,
pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio,a esperança mais mínima — esse anelo
de ver desvanecida a treva espessa
que entre os raios do sol inda se filtra;como defuntas crenças convocadas
presto e fremente não se produzissem
a de novo tingir a neutra faceque vou pelos caminhos demonstrando,
e como se outro ser, não mais aquele
habitante de mim há tantos anos,passasse a comandar minha vontade
que, já de si volúvel, se cerrava
semelhante a essas flores reticentesem si mesmas abertas e fechadas;
como se um dom tardio já não fora
apetecível, antes despiciendo,baixei os olhos, incurioso, lasso,
desdenhando colher a coisa oferta
que se abria gratuita a meu engenho.A treva mais estrita já pousara
sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e a máquina do mundo, repelida,se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que perdera,
seguia vagaroso, de mão pensas.
Ainda que mal
Ainda que mal pergunte,
ainda que mal respondas;
ainda que mal te entenda,
ainda que mal repitas;
ainda que mal insista,
ainda que mal desculpes;
ainda que mal me exprima,
ainda que mal me julgues;
ainda que mal me mostre,
ainda que mal me vejas;
ainda que mal te encare,
ainda que mal te furtes;
ainda que mal te siga,
ainda que mal te voltes;
ainda que mal te ame,
ainda que mal o saibas;
ainda que mal te agarre,
ainda que mal te mates;
ainda assim te pergunto
e me queimando em teu seio,
me salvo e me dano: amor.
Canção Final
Oh! se te amei, e quanto!
Mas não foi tanto assim.
Até os deuses claudicam
em nugas de aritmética.
Meço o passado com régua
de exagerar as distâncias.
Tudo tão triste, e o mais triste
é não ter tristeza alguma.
É não venerar os códigos
de acasalar e sofrer.
É viver tempo de sobra
sem que me sobre miragem.
Agora vou-me. Ou me vão?
Ou é vão ir ou não ir?
Oh! se te amei, e quanto,
quer dizer, nem tanto assim.
O Deus de Cada Homem
Quando digo “meu Deus”,
afirmo a propriedade.
Há mil deuses pessoais
em nichos da cidade.
Quando digo “meu Deus”,
crio cumplicidade.
Mais fraco, sou mais forte
do que a desirmandade.
Quando digo “meu Deus”,
grito minha orfandade.
O rei que me ofereço
rouba-me a liberdade.
Quando digo “meu Deus”,
choro minha ansiedade.
Não sei que fazer dele
Memória
Amar o perdido
deixa confundido
este coração.
Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.
As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão
Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão.
Não se mate
Carlos, sossegue, o amor
é isso que você está vendo:
hoje beija, amanhã não beija,
depois de amanhã é domingo
e segunda-feira ninguém sabe
o que será.
Inútil você resistir
ou mesmo suicidar-se.
Não se mate, oh não se mate,
Reserve-se todo para
as bodas que ninguém sabe
quando virão,
se é que virão.
O amor, Carlos, você telúrico,
a noite passou em você,
e os recalques se sublimando,
lá dentro um barulho inefável,
rezas,
vitrolas,
santos que se persignam,
anúncios do melhor sabão,
barulho que ninguém sabe
de quê, praquê.
Entretanto você caminha
melancólico e vertical.
Você é a palmeira, você é o grito
que ninguém ouviu no teatro
e as luzes todas se apagam.
O amor no escuro, não, no claro,
é sempre triste, meu filho, Carlos,
mas não diga nada a ninguém,
ninguém sabe nem saberá.
Não se mate.
O tempo passa? Não passa
O tempo passa? Não passa
no abismo do coração.
Lá dentro, perdura a graça
do amor, florindo em canção.O tempo nos aproxima
cada vez mais, nos reduz
a um só verso e uma rima
de mãos e olhos, na luz.Não há tempo consumido
nem tempo a economizar.
O tempo é todo vestido
de amor e tempo de amar.O meu tempo e o teu, amada,
transcendem qualquer medida.
Além do amor, não há nada,
amar é o sumo da vida.São mitos de calendário
tanto o ontem como o agora,
e o teu aniversário
é um nascer toda a hora.E nosso amor, que brotou
do tempo, não tem idade,
pois só quem ama
escutou o apelo da eternidade.
Consolo na praia
Vamos, não chores.
A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida não se perdeu.
O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.
Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis carro, navio, terra.
Mas tens um cão.
Algumas palavras duras,
em voz mansa, te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizam.
Mas, e o humour?
A injustiça não se resolve.
À sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.
Tudo somado, devias
precipitar-te, de vez, nas águas.
Estás nu na areia, no vento…
Dorme, meu filho.
A Obra de Carlos Drummond de Andrade é atemporal e universal porque toca de forma contudente o afeto de cada ser humano em sua Memória, sua relação com o Tempo, suas relações humanas e sociais,O cotidiano das Cidades, a montanha russa dos amores e a gangorra da Política e aponta que o Caminho para a Redenção Humana existe apenas no AMOR.
fotos:Reprodução Internet
foto da Pintura feito por Candido Portinari em Homenagem a Carlos Drummond de Andrade
Óculos Peregrinos
A Lama do Lago
Lava a Alma
Lapida o Espírito
Lampeja o Brilho
Escurece o Corpo
numa tarde de sol à beira do mar que não para num incessante vaivém de ondas e músicas guturais que repercutem no sorriso das crianças e nos versos do poeta das minas e das mulheres do ferro e das cinzas fazendeiro do ar rosa do povo sentimento do mundo claro enigma despedida magma mãe abraço centrífuga arrasta avança alastra o fogo o óleo a seca a guerra o ódio destrói e constrói
Amor Maior Não Há
Vida
Vida Mesma
Vida Vivida
Vida Vitória
Vida Derrota
Vida Sucesso
Vida Fracasso
Vida Morte
Vida Vida
Sempre Vida Tempo Espaço Vida
Divina Vida
ViDrummond
Ver Drummond
Verde Drummond Viver
Vi Ver ViverDrummond.
Daniel Aymore Ferreira